domingo, agosto 23, 2009

Academic Series #5

Análise da Linguagem Cinematográfica: Mini conto com uma unidade de ação, tempo e espaço.

Rodrigo nunca se atrasava para a aula, mas é claro que da única vez que se atrasou o professor resolveu passar um teste surpresa.
Surpresa, essa era o seu rosto agora, Oito questões dissertativas, das grandes.
Pontual, mas não exemplar, Rodrigo precisava da nota.
Ele nunca escreveu tão rápido, não estava nem preocupado se o professor iria entender sua letra. As mãos trêmulas não ajudavam.
Na sua mente só o que ocupava espaço, e isso piorava um pouco mais, era o motivo do atraso. Ah, se sua mãe pudesse vê-lo agora, seria mais uma daquelas discussões sobre responsabilidade. "Inconsequente", a voz de sua mãe ainda ecoava em sua cabeça.
Quatro minutos, duas questões. Sua mente divagava, nem sabia o que escrevia.
"Carla, Carla, Carla", por que não se concentrava no teste?
Um minuto, uma questão e meia. A última ficaria em branco, não que ele soubesse de qualquer maneira.
"Pode entregar agora, Rodrigo" - o professor não precisou pedir duas vezes.
Talvez ainda houvesse tempo de alcançar Carla, mas é claro que hoje o ônibus não atrasaria.

sábado, agosto 22, 2009

Academic Series #4

História da Arte: “Filhos da Esperança”

I – Introdução.

O filme “Filhos da Esperança”, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, é um dos mais ricos em termos de arte dos últimos anos. Principalmente por se tratar de um filme de estúdio de grande orçamento, que normalmente ignora esses aspectos.
Situado em uma Londres pós-apocalíptica de 2027, onde a humanidade tornou-se estéril e beira a extinção, a arte é parte fundamental tanto da narrativa quanto como elemento estético do filme.
Esse trabalho visa evidenciar como se deu essa utilização ao longo do filme, da carreira do diretor e das fases da história da arte visual.

II – Análise.

1. A arte em Alfonso Cuarón.

Desde o início de sua carreira o diretor Alfonso Cuarón procurou a convergência de outras artes visuais dentro de seu trabalho cinematográfico, principalmente o da pintura.
Em dois dos seus trabalhos anteriores isso se torna bastante evidente.
Primeiramente, ao filmar sua adaptação do clássico “Grandes Esperanças”, em que o personagem principal é um pintor, fez uma bela inserção do trabalho do artista Francesco Clemente. Usando-o como premissa para composição estética do filme.
Depois, ao filmar sua adaptação de um dos livros de Harry Potter, Cuarón não abandonou sua estética. Ele fez o departamento de arte do filme produzir centenas de pinturas para cobrir as imensas paredes do castelo de Hogwarts.
Além de ele mesmo filmar dezenas de cenas diferentes para compor os quadros com personagens que se movem, que fazem parte do universo da história. Mesmo que eles fossem aparecer apenas de relance e sequer seriam perceptíveis para a maioria dos expectadores.

2. A arte na narrativa.

Uma das partes fundamentais da história de Filhos da Esperança é o ministério comandado pelo primo do personagem principal e o seu programa “Arca das Artes”. Com a sociedade mundial colapsada e próxima da extinção o governo britânico, o único ainda em funcionamento, inicia um projeto para salvar, recuperar e armazenar as principais obras de arte do mundo.
Já a começar pela a escolha do prédio, a ponte que leva até ele é uma referência ao Tate Modern. E pela configuração de sua fachada, uma recriação da capa do disco “Animals” da banda Pink Floyd.
Dentro do prédio podemos encontrar a escultura “Davi” e o quadro Guernica. Além de uma citação de um dos personagens: “Não pude salvar a Pieta, estava destruída quando eu cheguei lá”.
Vários períodos da arte representados em apenas alguns minutos de filme. O período vitoriano, logo antes do personagem principal chegar ao prédio, o renascimento, o modernismo e até mesmo a pop art.
Ainda, no filme, vários grafites são deixados proeminentes durante a trama. Podendo ser vistos ao longo de todo o filme nas paredes em torno dos personagens. Esses grafites foram feitos pelo artista de rua Bansky.

3. A arte como pano de fundo estético.

Todas essas cenas mostradas acima, com todas as suas referências, não passam de um preparativo. Essa subtrama foi desenvolvida de modo a preparar o espectador para o que estava por vir, e dá-lo as ferramentas para a leitura do filme da maneira pretendida pelo diretor.
Por ter como trama a primeira mulher grávida em dezoito anos, sendo que o nascimento de seu filho representaria a possível salvação da humanidade, o filme procura representá-la como uma Madonna. Explicitamente brincando com os paralelismos com a história de Jesus Cristo.
Para representar isso de maneira visual, não apenas por meio de textos no filme, o diretor utiliza-se de referências históricas da arte, principalmente no que diz questão à Madonnas, para retratar a personagem.
Partindo da premissa que o expectador já está familiarizado com esses temas o diretor sente-se livre para utilizá-los de todas as maneiras durante o filme.
Durante momentos chaves ele usa enquadramentos que remetem às pinturas neoclássicas, barrocas e modernas para ditar o espírito do filme naquele momento e em diante.
Além disso, ele também espalha pelos cenários referências à arte de rua, como já falado acima, pinturas rupestres, cartoons, gravuras etc. para enriquecimento da trama. Todos tornando-se importantes, ao final, para a contagem da história.

III – Conclusão.

“Filhos da Esperança” é um filme que se utiliza maravilhosamente da arte e da sua história para criar a atmosfera que pretende, usando-se do conhecimento prévio que o expectador tem disso para enriquecer sua história e sua trama.
Ponto alto da carreira de um diretor que desde o início esforçou-se para uma convergência de todas as artes dentro do cinema, do qual esse trabalho só se focou na faceta visual.
No fim, o que melhor resume o espírito do filme é uma frase do historiador da arte Giulio Carlo Argan: “O progresso é racional, a decadência inevitável. O contraste reflete um dilema mais grave: o progresso, motivo de orgulho da sociedade moderna, é uma ascensão da humanidade para a salvação ou uma louca corrida para a ruína?”

IV – Bibliografia.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. 5o edição, Companhia das Letras, 1992.

GRANDES ESPERANÇAS. Alfonso Cuarón, Art Linson, New York: Twentieth Century-Fox Film Corporation, 1998. 1 DVD (111 min), son., color.

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN. Alfonso Cuarón, David Heyman, London: Warner Bros. Pictures, 2004. 1 DVD (141 min), son., color.

FILHOS DA ESPERANÇA. Alfonso Cuarón, Marc Abraham, London: Universal Pictures, 2006. 1 DVD (109 min), son., color.

PS: O trabalho original continha diversas imagens que acompanhavam e comentavam o texto, mas eu, na minha ignorância, não consegui transpô-las para o blog.

sexta-feira, agosto 21, 2009

Academic Series #3

Semiótica: Análise semiótica do filme "Roma" de Fellini.

A cacofonia da cidade de Roma é representada não apenas pela sinfonia destoante de seus sons, mas também pelas imagens de seu cotidiano.
Ao invés de revelar a Roma em que vivia, do presente e de sua infância, utilizando uma história linear clássica Fellini deixa que a cidade mostre-se por si mesma através de seus sons e imagens. Tornando, inclusive, a figura do narrador e de personagens fixos desnecessários para seu objetivo.
A verdadeira Roma nos é mostrada, a Roma de seus moradores, dos pobres, dos trabalhadores.
A Roma mítica, a Roma dos turistas é deixada de lado, ignorada.
A cidade nos é mostrada sob a visão virgem de um forasteiro, sob os olhares analíticos e objetivos de um jornalista e de uma equipe de documentaristas que vêem a cidade como se estivessem alheios a ela. Porém somos guiados pelas mãos e pela mente de um verdadeiro romano, nascido e criado ali, profundo conhecedor de todos os seus aspectos.
A confusão da cidade é evidenciada através de ambientes claustrofóbicos, escuros e barulhentos, repletos de pessoas ocupando todos os espaços.
Todos os ambientes são assim, desde a escola, a estação de trem, o subúrbio, as ruas e restaurantes, o teatro e os bordéis populares ou de alta classe do início dos anos 1940 até o caótico trânsito, as ruas e restaurantes, as obras do metrô e as praças do início dos anos 1970. Até mesmo um inicialmente calmo parque arborizado é rapidamente tomado por barulhentas turistas americanas.
Por todo lugar barulho, sujeira, confusão e com uma multidão em volta que grita, canta e blasfema ao mesmo tempo.
Tudo isso em confluência com o passado histórico da cidade, berço de um dos maiores e mais importantes impérios da história ocidental.
Estátuas cortadas, ruínas romanas, palácios e obras renascentistas em meio ao caos urbano de uma cidade em guerra, em um tempo, e de uma metrópole inflada, em outro.
A primeira imagem de Roma é uma pedra milenar no campo.
César divide espaço com o ufanismo fascista de Mussolini. E mesmo em 1970 pôsteres de propaganda política cobrem todas as paredes trazendo imagens de líderes em perfil remetendo aos perfis dos césares nas moedas do passado.
Motocicletas cortam em alta velocidade os monumentos de onde se ergueu a civilização moderna ocidental.
As mais belas obras criadas pelo homem circundam as feias, sujas e escuras vielas romanas.
O velho e o novo, onde de dia passam bondes de noite passam ovelhas, onde deveriam passar carros passam vacas que terminam mortas e ensanguentadas no asfalto.
O metrô corre junto de catacumbas e verdadeiras cidades subterrâneas.
A modernidade não deixa espaços para o passado, a imaculada casa romana de dois mil anos sucumbe ao simples contato com o metrô.
Os belos e coloridos afrescos são rapidamente corroídos ao entrar em contato com o ar externo e desaparecem diante dos nossos olhos.
As pessoas são feias, sujas, mal cuidadas e barulhentas, sejam as que vivem na iminência da segunda guerra ou as contemporâneas do boom econômico dos anos 1970.
Tudo o que é belo vem de fora ou de um passado imemoriável.
Roma também abriga a Cidade do Vaticano, portanto a Igreja é parte intrínseca da cidade e como tal também suja. O Papa dorme por trás de seus óculos escuros em um palácio empoeirado, escuro e decadente. Palácio de uma princesa envelhecida que chora.
Segue-se um desfile de roupas eclesiásticas. O ambiente escuro e claustrofóbico é cercado por membros do clero. Uma figura encapuzada toma o centro.
A igreja é sintetizada num desfile de moda bizarro, escuro e mórbido, em vão tentando entrar no mundo moderno com padres em roupas da moda sobre patins e bicicletas.
Uma igreja que vive de aparências com um desfile de roupas vestidas por ninguém, vazias, roupas brilhantes e com luzes piscantes.
O endeusamento de uma figura definhada, representando o papa, cercada por um palácio dourado e criados fanáticos em transe.
Figuras distorcidas, desfiguradas, envelhecidas, decadentes, uma carruagem de esqueletos e caveiras evidenciam o atraso, os pecados, o comprometimento e a influência destrutiva na sociedade de uma instituição que deveria simbolizar a vida, mas representa a morte.
Tudo acompanhado de uma música destoante que torna a experiência ainda mais incômoda.
Ao longo de todo o filme espelhos são mostrados e distribuídos por todos os lugares nos lembrando quem afinal é responsável por moldar a face da cidade, nós mesmos.
A maior concentração de espelhos e superfícies refletoras é justamente no desfile de moda eclesiástica. Afinal a igreja não passa de um espelho da sociedade onde ela está inserida.
Roma é seu próprio povo, seus moradores, seus governantes, sua história e a Igreja entranhada dentro dela.
Não é o que ela tem, o que ela foi ou onde ela está que faz uma cidade e sim quem está nela.
Nos trinta anos que o filme nos mostra, por mais distintas que sejam as situações em que a cidade, ou a Itália, se encontra ela na verdade pouco ou nada muda.
“É esta a cidade das ilusões. É uma cidade, antes de tudo, da Igreja, do governo, dos filmes. Todos fabricantes de ilusões.” Essa é a síntese do que nos é mostrado nas duas horas de filme. Uma ilusão que nos é desnudada e desmitificada aos poucos até enxergarmos por trás do véu sem que uma palavra tenha que ser dita.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Academic Series #2

História do Cinema: A Verdade e o Neo-realismo Italiano.

I – Introdução.

A herança deixada pelo neorealismo italiano na história do cinema é incalculável.
Seu estabelecimento determina a morte do cinema clássico narrativo e o nascimento do cinema moderno. Sua estética ainda hoje molda grande parte da cinematografia mundial.
Esse trabalho analisará penas um pequeno fragmento dela: “A Verdade”.
Pegando quatro filmes posteriores ao neorealismo analisarei neles a marca deixada por esse movimento na manifestação, estetização e projeção da verdade.
Dois desses filmes adotando literalmente uma estética neorealista para transmitir sua história, seus conceitos. Adaptando aos tempos atuais a natureza do cinema italiano pós segunda guerra.
Um deles adotando parte de sua estética para a legitimização de sua natureza fantástica.
E por último um que se utiliza de outros valores para transmitir a mesma ideia.

II – Análise.

1. Da Verdade Neorealista


“Entre os Muros da Escola” e “O Filho” são filmes de temática completamente diferentes.
Enquanto “O Filho” acompanha um pai, que dá aulas profissionalizantes para jovens infratores, tendo que lidar mais uma vez com a morte de seu filho quando seu assassino torna-se um de seus alunos. “Entre os Muros da Escola” acompanha um professor de uma escola pública francesa durante um ano de uma turma de sétima série.
Esteticamente, porém, são filmes irmãos.
Diriam que ambos adotam uma postura quase que documental, baseando-se nos documentários para estabelecerem sua estética.
No entanto esquecem-se que a estética documentarista moderna nasce com o neorealismo italiano.
Ambos filmes fundamentam-se no “Real”, na “Verdade”, para funcionarem como história. Nenhum deles seria factível, e portanto perderiam toda sua dramaticidade implícita, não fabricada, se o espectador não acreditasse piamente naquilo como verdadeiro. Como se aquilo realmente não tivesse se desenrolado diante das câmeras, sem artificialização, sem qualificação.
Foram, então, beber na fonte da estética realista do cinema ocidental, o neorealismo italiano.
“O Filho” rejeita quase que completamente a montagem, é um filme de planos sequências. A única função da câmera é seguir o personagem principal através de seus dilemas mentais, sem jamais interferir.
Durante boa parte do filme podemos apenas contemplar suas costas enquanto ele vai à algum lugar. Não há intromissão ou manipulação, nem mesmo no tempo, não há atalhos enquanto o personagem principal revisita a morte de seu próprio filho na convivência daquele que lhe tirou a vida.
O filme abandona , também, a trilha sonora, que se tornaria, no caso, apenas intrusiva. Não existe elaboração na fotografia, ele é todo filmado em locações, não há maquiagem, nada que nos lembre que nós estamos, na verdade, vendo um filme.
“Entre os Muros da Escola” adota essa mesma estratégia.
Sem utilizar-se de atores, cada aluno interpreta a si mesmo, com exceção àquele expulso, enquanto o professor é interpretado pelo próprio autor do livro que inspirou o filme.
O filme corre todo como se fosse um documentário, como se as câmeras simplesmente acompanhassem o dia a dia daquela sala de aula, de seu professor e da escola.
Toda uma estética é adotada para que o expectador creia que esteja testemunhando os fatos como que se estivessem a acontecer, com as câmeras simplesmente acontecendo de estar ali. Essa estética vem, mais uma vez, do neorealismo.
Como em “O Filho” não há cenários, figurinos, maquiagem (cada espinha é visível no rosto de cada adolescente), trilha sonora ou qualquer outra artificialização.
Se somos levados a crer que aquilo realmente é verdade é porque nós fomos criados, e já estamos acostumados a ver essa abordagem em reportagens e documentários, em oposição à estética hollywoodiana de show e entretenimento.
E toda a estética do documentário moderno foi moldada por aquilo que o neorealismo estabeleceu como sendo verdade.
Qualquer coisa mostrada como real, mesmo que não real, é aceita pelo público como tal, já que a generalidade da cinematografia mundial o dirige nessa direção.
A verdade neorealista tornou-se a verdade geral ao ser incorporada e adotada pela indústria cinematográfica como um todo.
Os dois filmes incorporam isso à sua temática e usam como trunfo para contar sua história.
Você vê o sofrimento de um pai, você vê toda uma escola francesa, não apenas sua representação. Tudo isso do impacto causado pelo neorealismo e nas raízes profundas deixadas por ele.


2. De uma outra Verdade


O neorealismo é o nascimento do cinema moderno, mas sua estética não é a única a propor a verdade, o real.
Outras estéticas surgiram ao longo da história com suas próprias propostas, radicalizando a neorealista ou divergindo dela.
O movimento Dogma 95 é só um exemplo de radicalização, abolindo de forma completa tudo aquilo que o neorealismo evitava.
Mais interessante, porém, é observar como fantasias e ficções se apóiam numa estética para incutí-las de veracidade, que sua própria natureza fantástica as tira. Estética essa muitas vezes derivada daquela mesma estética vinda do neorealismo italiano, ou revestindo-se em outras para criar sua própria verdade.
Algumas fantasias só passam a funcionar como história a partir do momento em que o espectador aceita aquilo como sendo real, e no cinema elas precisam adotar estratégias para que isso aconteça.
Quando Alfonso Cuarón aceitou adaptar o livro “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” para o cinema ele quis fazer algo diferente dos dois primeiros filmes. Ele acreditava que o sucesso da série de livros residia justamente na veracidade que ela trazia.
Ao contrário da maioria das fantasias com seus mundos, realidades e universos paralelos, o mundo de Hary Potter era palpável. Por mais fantástico que ele parecesse ele sempre se apresentava como real, e a autora havia trabalhado cuidadosamente para que isso acontecesse.
Cuarón achava que a única maneira de adaptar a obra com sucesso seria conseguindo levar esse espírito para as telas do cinema.
Para isso ele adotou suas próprias estratégias.
Primeiramente ele eliminou ao máximo a utilização de efeitos de computador, algo impensável numa produção hollywoodiana, tudo o que pudesse ser feito diretamente na frente das câmeras seria feito. Vários truques reais de ilusionismo foram adicionados ao longo do filme, mesmo a criação das criaturas conhecidas como dementadores só foi feita em cgi após sucessivas tentativas fracassadas de fazê-los de outra maneira.
Em segundo lugar ele abandonou a alegre fotografia utilizada nos filmes anteriores e a substituiu por uma mais escura e compatível com o ambiente cinzento, frio e chuvoso em que se passa a história.
Em terceiro, ele alterou o figurino, as próprias roupas do trio principal de atores passou a fazer parte das cenas. E até mesmo na impossibilidade de se retirar os uniformes durante as cenas das aulas ele pediu que cada ator o vestisse de um jeito diferente, à sua própria maneira.
As cenas foram, ao seu máximo, filmadas em locações pela Inglaterra e Escócia em detrimento de estúdios.
Cenas cotidianas e banais foram incluídas ao longo da história e travellings passaram a ser utilizados para exemplificar a passagem do tempo, acabando com o tom episódico dos longas anteriores.
Como se não bastasse, ao próprio tema musical principal do filme foi adicionado uma justificativa diegética para a sua introdução.
Alfonso cercou-se de referências estéticas do neorealismo e introduziu-as em meio a uma história fantástica para poder legitimizá-la. Para trazer o ambiente realista que estava procurando, para dar ao filme aquilo faltava aos anteriores: Verdade.
Como resultado obteve a adaptação mais fiel à história original dentre os filmes da série lançados, mesmo que seu roteiro seja o que mais fuja ao livro.
Outro recente filme de ficção que usa uma estratégia de projeção da verdade é a animação da Pixar “Wall-e”.
Um filme que mostra ainda mais coragem ao romper com padrões hollywoodianos por se tratar de uma animação destinada ao público infantil.
Toda a primeira parte do filme se passa como um filme mudo, sendo os únicos “diálogos” compostos pelos sons do robô Wall-e.
Ambientada numa distopia futurista em que o planeta Terra se encontra totalmente devastado e consumido pelo lixo produzido pelo homem, ele é habitado apenas por um robô, responsável pela limpeza do planeta, o único ainda em funcionamento, e por, é claro, baratas.
A humanidade, isolada em uma estação espacial distante do que restou do planeta, se tornou obesa e com os músculos e membros atrofiados devido a não utilização.
O filme se vale de uma série de estratégias para imbuir de verdade, sua verdade, o público.
Ele exagera ao caricatural para mostrar o que a preguiça e a inatividade, física e mental, gera nas pessoas.
Curioso notar que enquanto todas as pessoas da história são dirigidas apenas pela futilidade e inatividade, o único ser dotado de emoções realmente humanas, como o amor, é um robô.
É um filme que se utiliza de uma estética diferente da neorealista para se estabelecer, mas que compartilha com o movimento a ideia que o cinema é uma forma de expressão voltada a criar a dignidade humana.
Se vale de outros meios para atingir o mesmo objetivo, levar uma verdade ao espectador.

quarta-feira, agosto 19, 2009

Academic Series #1

História do Cinema: "Aurora" de Murnau e a Sedução da Cidade.


O encanto e sedução da cidade já começam o filme estabelecidos. O marido, já caído de amores pela mulher da cidade despreza a própria esposa, com quem até então era feliz, e depena sua fazenda para manter seu romance.
Porém não é esse o encanto que o filme procura destacar. Nos EUA da década de vinte o campo representa unicamente o atraso e já não tem nada a oferecer, fazendeiros são tentados a deixarem sua condição por anúncios nos jornais de compra em dinheiro de suas propriedades.
O campo é só diversão passageira, retiro de férias.
O Marido, então, é convencido pela amante a assassinar sua esposa afogada e mudar-se com ela para a cidade. Ele, relutante, acata.
Os belos sapatos, que a amante faz questão de dar brilho antes de sair, afundam-se na lama ao revelar a verdadeira identidade de sua dona.
O poder da cidade é revelado depois.
Após não conseguir seguir o plano da mulher da cidade, o marido e a esposa vão parar na cidade. Ela desolada e temerosa de seu próprio marido, ele arrependido e buscando perdão.
É a cidade que os reconcilia. É ela que devolve a alegria que eles outrora possuíam. Com seus atrativos, com sua modernidade, com sua beleza. A igreja, e o casamento, servem como purgação, mas é a cidade que os trás de volta.
No retorno para casa age o destino. Uma tempestade repentina os atinge durante a travessia da água. O marido, que se recusara a jogar a esposa n’ água, agora vê isso como único desfecho possível.
Desesperado, ele amarra nela os gravetos entregues pela amante para que ele salvasse a própria vida após matar a esposa.
No fim ela não milagrosamente surge intacta, o que a salva é justamente o símbolo de seu assassinato.
Seus cabelos louros até então mostrados apenas bem presos, fato enfatizado pelo filme, são finalmente vistos soltos. Ondulados, eles emolduram o seu rosto conferindo-a uma aparência angelical.