sexta-feira, agosto 21, 2009

Academic Series #3

Semiótica: Análise semiótica do filme "Roma" de Fellini.

A cacofonia da cidade de Roma é representada não apenas pela sinfonia destoante de seus sons, mas também pelas imagens de seu cotidiano.
Ao invés de revelar a Roma em que vivia, do presente e de sua infância, utilizando uma história linear clássica Fellini deixa que a cidade mostre-se por si mesma através de seus sons e imagens. Tornando, inclusive, a figura do narrador e de personagens fixos desnecessários para seu objetivo.
A verdadeira Roma nos é mostrada, a Roma de seus moradores, dos pobres, dos trabalhadores.
A Roma mítica, a Roma dos turistas é deixada de lado, ignorada.
A cidade nos é mostrada sob a visão virgem de um forasteiro, sob os olhares analíticos e objetivos de um jornalista e de uma equipe de documentaristas que vêem a cidade como se estivessem alheios a ela. Porém somos guiados pelas mãos e pela mente de um verdadeiro romano, nascido e criado ali, profundo conhecedor de todos os seus aspectos.
A confusão da cidade é evidenciada através de ambientes claustrofóbicos, escuros e barulhentos, repletos de pessoas ocupando todos os espaços.
Todos os ambientes são assim, desde a escola, a estação de trem, o subúrbio, as ruas e restaurantes, o teatro e os bordéis populares ou de alta classe do início dos anos 1940 até o caótico trânsito, as ruas e restaurantes, as obras do metrô e as praças do início dos anos 1970. Até mesmo um inicialmente calmo parque arborizado é rapidamente tomado por barulhentas turistas americanas.
Por todo lugar barulho, sujeira, confusão e com uma multidão em volta que grita, canta e blasfema ao mesmo tempo.
Tudo isso em confluência com o passado histórico da cidade, berço de um dos maiores e mais importantes impérios da história ocidental.
Estátuas cortadas, ruínas romanas, palácios e obras renascentistas em meio ao caos urbano de uma cidade em guerra, em um tempo, e de uma metrópole inflada, em outro.
A primeira imagem de Roma é uma pedra milenar no campo.
César divide espaço com o ufanismo fascista de Mussolini. E mesmo em 1970 pôsteres de propaganda política cobrem todas as paredes trazendo imagens de líderes em perfil remetendo aos perfis dos césares nas moedas do passado.
Motocicletas cortam em alta velocidade os monumentos de onde se ergueu a civilização moderna ocidental.
As mais belas obras criadas pelo homem circundam as feias, sujas e escuras vielas romanas.
O velho e o novo, onde de dia passam bondes de noite passam ovelhas, onde deveriam passar carros passam vacas que terminam mortas e ensanguentadas no asfalto.
O metrô corre junto de catacumbas e verdadeiras cidades subterrâneas.
A modernidade não deixa espaços para o passado, a imaculada casa romana de dois mil anos sucumbe ao simples contato com o metrô.
Os belos e coloridos afrescos são rapidamente corroídos ao entrar em contato com o ar externo e desaparecem diante dos nossos olhos.
As pessoas são feias, sujas, mal cuidadas e barulhentas, sejam as que vivem na iminência da segunda guerra ou as contemporâneas do boom econômico dos anos 1970.
Tudo o que é belo vem de fora ou de um passado imemoriável.
Roma também abriga a Cidade do Vaticano, portanto a Igreja é parte intrínseca da cidade e como tal também suja. O Papa dorme por trás de seus óculos escuros em um palácio empoeirado, escuro e decadente. Palácio de uma princesa envelhecida que chora.
Segue-se um desfile de roupas eclesiásticas. O ambiente escuro e claustrofóbico é cercado por membros do clero. Uma figura encapuzada toma o centro.
A igreja é sintetizada num desfile de moda bizarro, escuro e mórbido, em vão tentando entrar no mundo moderno com padres em roupas da moda sobre patins e bicicletas.
Uma igreja que vive de aparências com um desfile de roupas vestidas por ninguém, vazias, roupas brilhantes e com luzes piscantes.
O endeusamento de uma figura definhada, representando o papa, cercada por um palácio dourado e criados fanáticos em transe.
Figuras distorcidas, desfiguradas, envelhecidas, decadentes, uma carruagem de esqueletos e caveiras evidenciam o atraso, os pecados, o comprometimento e a influência destrutiva na sociedade de uma instituição que deveria simbolizar a vida, mas representa a morte.
Tudo acompanhado de uma música destoante que torna a experiência ainda mais incômoda.
Ao longo de todo o filme espelhos são mostrados e distribuídos por todos os lugares nos lembrando quem afinal é responsável por moldar a face da cidade, nós mesmos.
A maior concentração de espelhos e superfícies refletoras é justamente no desfile de moda eclesiástica. Afinal a igreja não passa de um espelho da sociedade onde ela está inserida.
Roma é seu próprio povo, seus moradores, seus governantes, sua história e a Igreja entranhada dentro dela.
Não é o que ela tem, o que ela foi ou onde ela está que faz uma cidade e sim quem está nela.
Nos trinta anos que o filme nos mostra, por mais distintas que sejam as situações em que a cidade, ou a Itália, se encontra ela na verdade pouco ou nada muda.
“É esta a cidade das ilusões. É uma cidade, antes de tudo, da Igreja, do governo, dos filmes. Todos fabricantes de ilusões.” Essa é a síntese do que nos é mostrado nas duas horas de filme. Uma ilusão que nos é desnudada e desmitificada aos poucos até enxergarmos por trás do véu sem que uma palavra tenha que ser dita.

Um comentário:

  1. Já comentei esse. Acho que até te ajudei a revisá-lo, antes que o entregasse.

    MILKSHAKE!

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