sábado, agosto 22, 2009

Academic Series #4

História da Arte: “Filhos da Esperança”

I – Introdução.

O filme “Filhos da Esperança”, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, é um dos mais ricos em termos de arte dos últimos anos. Principalmente por se tratar de um filme de estúdio de grande orçamento, que normalmente ignora esses aspectos.
Situado em uma Londres pós-apocalíptica de 2027, onde a humanidade tornou-se estéril e beira a extinção, a arte é parte fundamental tanto da narrativa quanto como elemento estético do filme.
Esse trabalho visa evidenciar como se deu essa utilização ao longo do filme, da carreira do diretor e das fases da história da arte visual.

II – Análise.

1. A arte em Alfonso Cuarón.

Desde o início de sua carreira o diretor Alfonso Cuarón procurou a convergência de outras artes visuais dentro de seu trabalho cinematográfico, principalmente o da pintura.
Em dois dos seus trabalhos anteriores isso se torna bastante evidente.
Primeiramente, ao filmar sua adaptação do clássico “Grandes Esperanças”, em que o personagem principal é um pintor, fez uma bela inserção do trabalho do artista Francesco Clemente. Usando-o como premissa para composição estética do filme.
Depois, ao filmar sua adaptação de um dos livros de Harry Potter, Cuarón não abandonou sua estética. Ele fez o departamento de arte do filme produzir centenas de pinturas para cobrir as imensas paredes do castelo de Hogwarts.
Além de ele mesmo filmar dezenas de cenas diferentes para compor os quadros com personagens que se movem, que fazem parte do universo da história. Mesmo que eles fossem aparecer apenas de relance e sequer seriam perceptíveis para a maioria dos expectadores.

2. A arte na narrativa.

Uma das partes fundamentais da história de Filhos da Esperança é o ministério comandado pelo primo do personagem principal e o seu programa “Arca das Artes”. Com a sociedade mundial colapsada e próxima da extinção o governo britânico, o único ainda em funcionamento, inicia um projeto para salvar, recuperar e armazenar as principais obras de arte do mundo.
Já a começar pela a escolha do prédio, a ponte que leva até ele é uma referência ao Tate Modern. E pela configuração de sua fachada, uma recriação da capa do disco “Animals” da banda Pink Floyd.
Dentro do prédio podemos encontrar a escultura “Davi” e o quadro Guernica. Além de uma citação de um dos personagens: “Não pude salvar a Pieta, estava destruída quando eu cheguei lá”.
Vários períodos da arte representados em apenas alguns minutos de filme. O período vitoriano, logo antes do personagem principal chegar ao prédio, o renascimento, o modernismo e até mesmo a pop art.
Ainda, no filme, vários grafites são deixados proeminentes durante a trama. Podendo ser vistos ao longo de todo o filme nas paredes em torno dos personagens. Esses grafites foram feitos pelo artista de rua Bansky.

3. A arte como pano de fundo estético.

Todas essas cenas mostradas acima, com todas as suas referências, não passam de um preparativo. Essa subtrama foi desenvolvida de modo a preparar o espectador para o que estava por vir, e dá-lo as ferramentas para a leitura do filme da maneira pretendida pelo diretor.
Por ter como trama a primeira mulher grávida em dezoito anos, sendo que o nascimento de seu filho representaria a possível salvação da humanidade, o filme procura representá-la como uma Madonna. Explicitamente brincando com os paralelismos com a história de Jesus Cristo.
Para representar isso de maneira visual, não apenas por meio de textos no filme, o diretor utiliza-se de referências históricas da arte, principalmente no que diz questão à Madonnas, para retratar a personagem.
Partindo da premissa que o expectador já está familiarizado com esses temas o diretor sente-se livre para utilizá-los de todas as maneiras durante o filme.
Durante momentos chaves ele usa enquadramentos que remetem às pinturas neoclássicas, barrocas e modernas para ditar o espírito do filme naquele momento e em diante.
Além disso, ele também espalha pelos cenários referências à arte de rua, como já falado acima, pinturas rupestres, cartoons, gravuras etc. para enriquecimento da trama. Todos tornando-se importantes, ao final, para a contagem da história.

III – Conclusão.

“Filhos da Esperança” é um filme que se utiliza maravilhosamente da arte e da sua história para criar a atmosfera que pretende, usando-se do conhecimento prévio que o expectador tem disso para enriquecer sua história e sua trama.
Ponto alto da carreira de um diretor que desde o início esforçou-se para uma convergência de todas as artes dentro do cinema, do qual esse trabalho só se focou na faceta visual.
No fim, o que melhor resume o espírito do filme é uma frase do historiador da arte Giulio Carlo Argan: “O progresso é racional, a decadência inevitável. O contraste reflete um dilema mais grave: o progresso, motivo de orgulho da sociedade moderna, é uma ascensão da humanidade para a salvação ou uma louca corrida para a ruína?”

IV – Bibliografia.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. 5o edição, Companhia das Letras, 1992.

GRANDES ESPERANÇAS. Alfonso Cuarón, Art Linson, New York: Twentieth Century-Fox Film Corporation, 1998. 1 DVD (111 min), son., color.

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN. Alfonso Cuarón, David Heyman, London: Warner Bros. Pictures, 2004. 1 DVD (141 min), son., color.

FILHOS DA ESPERANÇA. Alfonso Cuarón, Marc Abraham, London: Universal Pictures, 2006. 1 DVD (109 min), son., color.

PS: O trabalho original continha diversas imagens que acompanhavam e comentavam o texto, mas eu, na minha ignorância, não consegui transpô-las para o blog.

Um comentário: