segunda-feira, outubro 15, 2012

Desencanto


Casais de série de tv seguem sempre um padrão. Após uma ou duas temporadas gerando expectativa eles finalmente ficam juntos.
Então, por uma temporada, o relacionamento dos dois é tudo aquilo que o público sempre esperou. Até que ao final da temporada os dois se separam.
(Normalmente, depois que a série é cancelada, nos últimos 4 ou 5 episódios, constrói-se a volta dos dois para o series finale. O que quase sempre é artificial e brusco, mas não é isso que eu vou discutir agora.)
São raras as séries que, mesmo que já planejado, fazem essa separação de forma natural. São quase sempre situações artificiais gerando conflitos artificiais, em que os personagens agem de forma não condizente com suas personalidades até então.
Mas algumas séries acertam. E Everwood faz isso de forma magistral.
Primeiro que o conflito que eventualmente levou ao rompimento do casal principal foi criado antes mesmo de os dois ficarem juntos. Isso permitiu que todo o relacionamento dos dois fosse construído de forma que levasse a isso.
Toda situação foi cuidadosamente desenvolvida, até que atingisse um ponto de não retorno. O acaso desempenha um papel importante, mas ele só entra em cena depois que tudo já havia se tornado inevitável.
Outra decisão corajosa da série foi não jogar a situação toda para o final da temporada, apenas como forma de gerar um gancho para a próxima. Todo o arco se iniciou no décimo quarto episódio de uma temporada com vinte e dois (lembrando que tudo, na verdade, começou a metade da temporada anterior e já vinha sendo desenvolvido). A situação foi construída com calma, sem que isso parecesse simplesmente jogado na cara do espectador.
Era o destino dos dois chegar até aquela situação, mas não foi o destino que os separou. Foram as suas próprias escolhas que os colocaram ali. Infelizmente a discussão “destino versus escolha” foi feita de forma explícita e bastante simplificada pela trama, seria muito mais rico se eles tivessem optado pela sutileza e deixado a conclusão para o espectador.
E, finalmente, o conflito não foi a causa final da separação. Ele não gerou uma discussão que tornou o relacionamento insustentável. Um não disse coisas horríveis para o outro, magoando-os de forma irreversível.
Eles se amavam, eles continuaram juntos, eles tentaram resolver seus problemas. Um confiou no outro, pediu a ajuda.
O que levou ao término foi uma série de quebras, de confiança, de encanto, que levou os dois a perceberem que já não eram mais os mesmos.
O que levou ao término foi o desencanto.

2 comentários:

  1. Quando olhei o título do seu post, imediatamente, comecei a declamar o poema homônimo do Manuel Bandeira:

    Eu faço versos como quem chora
    De desalento , de desencanto
    Fecha meu livro se por agora
    Não tens motivo algum de pranto

    Meu verso é sangue , volúpia ardente
    Tristeza esparsa , remorso vão
    Dói-me nas veias amargo e quente
    Cai gota à gota do coração.

    E nesses versos de angústia rouca
    Assim dos lábios a vida corre
    Deixando um acre sabor na boca

    Eu faço versos como quem morre.
    Qualquer forma de amor vale a pena!!
    Qualquer forma de amor vale amar!

    ----

    Não posso visualizar, exatamente, como a coisa aconteceu na série, porque, como já disse, no post anterior, não vi. Mas, conforme você, a coisa aconteceu, naturalmente. Não sem dor. Não sem sofrimento. Só aconteceu. Relacionamentos são complicados. O início deles é a fase do encantamento, das afinidades, das EXPECTATIVAS. Mas depois... depois, quando chega o desencantamento, não há relacionamento que se sustenta. É por isso que muitos casais são tristes, estão juntos e tristes, e infelizes.

    Lembra de uma parte de Brilho Eterno quando o Joel fala que ele e a Clementine tinham se transformado naqueles casais infelizes? Lembra quando ele fala "agora ela vai beber e ficar estúpida"? Acho deprimente ver aquele casal que começou cheio de vida ter chegado naquele ponto.

    Enfim, estou gostando da maneira que você elegeu para falar sobre a série. Cê não tá fazendo um 'resumão' da série e pronto. Cê tá analisando aspectos da série. Isso é bem legal. O que não é legal é que eu tô ficando com vontade de assistir e não posso, já que minha internet não me permite baixar nem música.=/

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  2. Sim, quando terminei o comentário acima, comecei a cantarolar "Desencanto" música do Chico Buarque:

    Leve então
    O resto desta ilusão
    E todos os cuidados meus
    Brinquedos dos caprichos

    É pena porque foi tão lindo amar
    Sentir você sonhar tão junto a mim,
    Ouvir tanta promessa,
    Fazer tanta esperança,
    Pra hoje ver lembrança, tudo enfim

    Nâo passou
    De um triste desencanto, amor,
    E desde então eu canto a dor
    Que eu não soube chorar.

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