terça-feira, dezembro 04, 2007

Antes do Amanhecer/Pôr-do-Sol

Quando você pensa em um filme de romance já vem a sua mente todo aquele melodrama, enrolação, baboseira e um amontoado de clichês. Ou seja, o pesadelo de qualquer homem no cinema.
É raro encontrar um exemplar desse gênero que fuja ao habitual água com açúcar e evite os clichês - ou ao menos saiba trabalhá-los - sagrados do ramo. Mas veio a obra de Richard Linklater para superar essas raridades.
Antes do Amanhecer/Pôr-do-Sol é simplesmente o melhor filme de romance já filmado na história do cinema. Sim, porque os dois são um filme só.
Jesse e Celine, Ethan Hawke e Julie Delpy, se encontram pela primeira vez em um trem a caminho de Viena e, depois de algum tempo de conversa, caem louca, desajeitada, imprudente e angustiadamente apaixonados um pelo outro.
Chegando em Viena Jesse acaba convencendo Celine, que estava a caminho de Paris, a descer com ele para acompanhá-lo pela cidade até a próxima manhã, quando ele pegaria um avião de volta à América.
Segue-se então hora e meia de conversas, divagações, indagações filosóficas e meras brincadeiras infantis. Tudo isso sobre as águas do Danúbio, sob o céu dessa belíssima cidade européia e no intervalo de apenas uma noite.
A câmera de Linklater somente se dá ao trabalho de seguir os dois personagens em planos sequenciais, mantendo uma certa distância e permitindo a eles que ajam com impressionante naturalidade, em um tom quase documental. Com o passar do tempo eles vão ficando cada vez mais conectados, compartilhando histórias de infância, sonhos, desejos e até músicas (esta a parte mais singela do filme).



Ao chegar ao fim (Spoiler Alert!), sob o sol nascente, os dois, sem trocar telefones ou sobrenomes, prometem se encontrar naquele mesmo local seis meses adiante para que possam recomeçar de onde pararam, sem toda a decadência trazida por um relacionamento à distancia. A história bem que poderia acabar por aí, deixando a cargo da imaginação do espectador o destino dos amantes, e foi exatamente isso o que bradaram os fãs ao ser anunciado, quase dez anos depois, que seria feita uma continuação.
Mas o que esses mesmos fãs não sabiam é que o que já era o melhor podia ficar sublime. Linklater, Hawke e Delpy se uniram de novo para realizar uma pequena obra prima do cinema atual.
Após não se encontrarem como o combinado ao fim do primeiro filme, Jesse volta à Europa, nove anos depois, para promover o lançamento do livro que escreveu sobre aquele encontro. Então, em uma pequena livraria de Paris, Jesse e Celine voltam a se encontrar.
Dessa vez eles tem uma tarde para colocar em dia tudo o que precisa ser discutido antes que, com o pôr do sol, Jesse retorne aos Estados Unidos.
Agora somos agraciados com mais hora e meia de diálogos primorosos e atuações magistrais (quase mediúnicas). Tudo isso sobre as águas do Sena e sob o céu de Paris, que dispensa comentários.
Esse é um filme mais maduro, mais sóbrio e, até certo ponto, mais cínico e depravado que o antecessor. Que é justamente o que o faz superior.
Os desejos deles já são outros, seu sonhos foram frustrados e ambos são perseguidos pelo fantasma do amor que poderia ter sido e não foi. Um idealiza a vida do outro, despreza a própria e eles não conseguem se encontrar. Até que tudo explode em uma cena angustiante e claustrofóbica dentro de um carro.
Mais uma vez Linklater apenas aponta a câmera para os atores e os deixa fazer todo o trabalho. As divagações, indagações filosóficas e as brincadeiras estão de volta, mas você percebe que o encanto, a magia, foram quebrados.
Algo que deixa bem claro isso é quando Jesse perguntar à Celine se ela acredita em reencarnação no primeiro filme e ela responde "Sim. Sim, é interessante", ao que ele repete essa mesma pergunta no segundo a resposta é um seco "Não mesmo".
E se no primeiro fomos deixados com um final em aberto, nesse temos um final um tanto quanto
abrupto mas sem muito espaço para especulações. Por sinal, um dos melhores finais do cinema.




PS: Esse texto contém uma citação de um famoso romance, cuja adaptação cinematográfica será alvo de um texto futuro aqui. Alguém consegue identificá-la e dizer a qual livro pertence?

*Post republicado do site RDN.

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