terça-feira, agosto 07, 2007

Clara

Depois de anos sem postar um texto finalmente saiu um. Esse é o primeiro conto de ficção científica que eu escrevo, o que me fez levar um tempo maior do que o normal para escrevê-lo já que tive que criar todo um universo em volta da história. Não que algo desse universo tenha efetivamente feito parte do conto, mas eu sou chato. Depois de todo esse trabalho eu espero, pelo menos, que ele se transforme em uma série com vários contos independentes se passando nesse mesmo universo.


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Clara


Paul caminhava apressadamente por aqueles estranhos corredores. Completamente desertos, seus passos ecoavam pesadamente por aquelas paredes amarelo claro.
Ele atravessou uma porta dupla de vidro e virou à esquerda, as paredes agora eram azuis, seguindo em direção ao fim do corredor e à porta que lá se encontrava.
Após uma breve hesitação ele bateu na porta duas vezes. Uma rouca voz feminina saiu de lá pedindo que ele entrasse.
Quando cruzou a porta os olhos de Paul ficaram momentaneamente cegos. O pequeno quarto, inconcebivelmente branco e ocupado apenas por uma cama reclinada metálica, era fortemente iluminado por um número não recomendável de lâmpadas fosforescentes.
A ocupante da cama era uma velha grisalha e frágil com a aparência de que não sobreviveria àquela noite.
Paul foi em sua direção e se pôs ao lado da velha.
- E... – foi tudo o que ele conseguiu falar antes de ser interrompido por ela.
- Não há necessidade de palavras. Dê-me sua mão. – ele a obedeceu.
- Um homem desesperado. – a velha continuou.
Desespero era pouco perto do que ele estava sentindo, apenas algo inominável o levaria até ali.
- Não há esperanças. – ela sentenciou asperamente.
O coração de Paul cavou um buraco dentro de seu próprio peito e caiu. Ele havia ouvido aquelas mesmas palavras mais de uma dezena de vezes antes, mas pela primeira vez elas pareceram tão finais, tão definitivas. Aquela era sua última chance, sua última esperança.
- Mas como? Deve haver... – ele começou a falar.
- Silêncio! – a velha o interrompeu – Não há necessidade de palavras.
- Talvez haja algo que eu possa fazer por você.
O seu coração voltou ao lugar e agora tentava sair pelo outro lado. “Será que realmente haveria algo que a pudesse salvar?” ele pensou.
­- Não seja tolo. – ela voltou a falar – Nada pode ser feito por ela, ou você acha que eu fazia piadinhas quando disse que não havia esperanças.
Novamente o coração de Paul havia afundado.
- Existe algo que talvez possa, talvez – ela enfatizou – possa ajudá-lo.
Ajuda-lo!? Ajuda-lo, como? Se não havia nada que pudesse ser feito por ela o que poderia ajudá-lo?
- O chá da rosa azul...
“O chá da rosa azul!”, a mente de Paul explodiu em fúria “Como se eu não tivesse tentado isso antes. Como se essa não tivesse sido a primeira coisa que sua conselheira pessoal havia lhe recomendado!”
- Não seja insolente! – a velha interrompeu seus pensamentos – O chá da rosa azul deverá ser misturado com essência de Lynx, sua conselheira saberá como fazê-lo.
- Você deverá dá-lo a sua esposa – ela continuou - daqui três noites exatamente, depois você deverá se deitar com ela o maior número de vezes possíveis até o amanhecer.
A frase “E como isso poderia ajudá-la?” se formou na cabeça de Paulo mas antes que ela chegasse ao seus lábios a velha voltou a falar.
- Não poderia, nem vai, mas isso irá salva-lo. O chá vai permitir que ela engravide e a própria gravidez se encarregará de mantê-la viva por mais nove meses.
- Como você pôde pensar em algo assim numa hora dessas, sua velha bruxa?! – dessa vez ele conseguiu se expressar mais rápido do que ser interrompido.
- Mais uma vez, não seja tolo – a voz dela estava ainda mais calma e pausada mas, apesar de sua aparência, nada cansada. – Você não tem filhos. E com a impossibilidade de encontrar outra esposa fértil você sabe quais são as conseqüências disso. Suas terras serão invadidas e você será descartado ainda mais rápido que de Tottler.
- Eu não teria nem coragem de pensar nisso. – ela o deixou completar – Não enquanto a Denise mal consegue sair da cama.
– Mas deveria. Você conhece muito bem a fúria que cai sobre ele quando alguém do Quorum não produz um herdeiro fértil, você fez parte dela mais de uma vez.
Paul abaixou a cabeça, se virou e saiu percorrendo mais uma vez aqueles corredores.
Quando pôs o pé fora daquele prédio ele estava convencido a esquecer tudo o que havia ouvido lá dentro. Por que deveria confiar em qualquer uma daquelas velhas malucas?
Ele não acreditava nessas baboseiras mesmo, elas eram apenas uma praga que a sociedade moderna deveria reaprender a erradicar.


Paul estava em pé na sua sala de jantar segurando um copo de whisky, perdido em pensamentos olhando para um quadro retratando sua esposa do lado diretamente oposto ao dele.
A sala estava ocupada com pouco mais que duas dúzias de pessoas, mesmo assim o local ainda parecia apto a receber pelo menos uma dúzia mais, todos homens, todos segurando um copo de whisky, que riam e conversavam alegremente uns com os outros enquanto tragavam seus grandes charutos.
– Meus parabéns. – disse um homem levemente ruivo, levemente gordo e levemente barbudo que havia se aproximado de Paul – Uma menina, e fértil, logo na primeira tentativa... – sua voz morreu abruptamente como se engolisse as palavras “e última!”.
– Muito obrigado. – disse Paul voltando de seu transe – Ainda assim eu não me sinto nem um pouco afortunado.
– De qualquer maneira, não é para qualquer um – ele disse um pouco encabulado – Anime-se, homem! Olha só o Tom, – ele apontou para um homem claramente bêbado rindo acima dos outros – mal pode se conter. Doze tentativas, doze meninas inférteis, três delas inclusive mandadas para aquelas velhas e só agora ele conseguiu um menino.
– Não que ele tenha se queixado muito das garotas. – Paul adicionou se lembrando das delícias do pequeno harém que Tom havia montado.
– Rá, - o homem riu, pegando de uma bandeja sobre um carrinho que aparentemente se movia sozinho outro copo de whisky – não é como se nós precisássemos da mão de obra.
– Talvez nós precisássemos dos cérebros. – ponderou.
– Como se fosse sair algo daquela família, você conhece muito bem as garotas. Qualquer uma com o mínimo de capacidade intelectual foi imediatamente despachada para aquelas velhas, seja lá o que elas fazem.
– Prepara-las para ser as próximas velhas? – indagou Paul com certa ironia.
– Congresso. – o outro disse com todo o sarcasmo que pôde encontrar – Não passam de um bando de velhas, se você me perguntar. E ainda tem a coragem de quererem ser chamadas de congressistas.
– Como se você tivesse a coragem de chamar sua conselheira de qualquer outra coisa. – Paul riu.
– Ah, chega disso. – se apressou em dizer meio indignado meio bêbado – Daqui a pouco o Tom vem aqui te importunar com propostas de casamento.
– Já veio. E eu não vejo como recusar, depois do desastre com o Tottler nossos filhos são os últimos da geração. Não acho que seria prudente esperar.
– Não, você tem toda a razão. Onde está a menina Clara, por falar nisso? Não a vejo desde a apresentação no início da festa.
– Não havia como deixá-la aqui, é difícil sem uma mãe para cuidar. Ela está lá em cima com um autômato.
– Mas não é perigoso? Se for preciso eu tenho certeza que qualquer esposa ficaria feliz em ajudá-lo, ou uma das meninas. Eu mesmo, como você sabe, tenho duas que não vão para casamento e como eu tenho escrúpulos um pouco mais apurados que os de Tom não teria problemas em lhe enviar uma.
– Não tão mais apurados assim, segundo chegou ao meu conhecimento. – Paul não deixou de comentar – Mas não será necessário, é perfeitamente seguro deixa-la sob os cuidados de um dos autômatos. Creio que eu possa criá-la muito bem sozinho.
– Se você assim o quer. Eu acho que se o nosso melhor engenheiro confia tanto assim nos autômatos quem sou eu para discordar. – e com esse comentário ele fez uma pequena referência e se retirou.
Paul com o espírito um pouco mais ameno deixou escapar um sorriso, pegou outro copo de uma das bandejas ambulantes e olhou de relance para o quadro de sua esposa pela última vez naquela noite.

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