terça-feira, agosto 22, 2006

Misantropia

O Ministério dos Escritores adverte: Andar de ônibus sem nada o que fazer pode causar contos.


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Misantropia


Sábado absurdamente entediante, Daniel acordou ao meio dia, almoçou às três da tarde e finalmente resolveu fazer algo daquele dia. Saiu decidido a fazer algo de grande, subiu no ônibus em direção ao cinema. Achava incrível como tantas pessoas pudessem ir ao shopping ao mesmo tempo, patricinhas carregando suas sacolas, emos encostados nas vitrines chorando, crianças gritando, pais desesperados.
Foi quando algo chamou sua atenção, um casal de adolescentes brigava intensamente. Após vários "filho de uma puta", "cachorro", "vaca" e "puta desgraçada" decidiu que aquilo era muito mais interessante do que uma refilmagem ruim de um filme chato e sentou para apreciar o imbróglio.
Uma pequena multidão foi se formando enquanto os seguranças apenas observavam de longe quando as fatídicas palavras saíram da boca da pequena menina:
- É verdade. É verdade.
Então aconteceu, e Daniel finalmente soube da razão da súbita vontade der ir ao cinema, o garoto puxou um revolver de seu bolso e apontou direto no rosto de sua amante/antagonista.
Alguns gritos agudos puderam ser ouvidos, as pessoas ali presentes se afastaram mas não deixaram o local, os seguranças se posicionaram em volta do pistoleiro, Daniel apenas se levantou e o silêncio finalmente tomou o local.
Os únicos que esboçavam algum tipo de reação era o casal que chorava enquanto se olhavam através da arma.
- Acabou. Finalmente acabou.
Daniel lentamente se posicionou logo a frente da garota, que postou a mão em suas costas e recostou a cabeça em seu ombro.
- Sai da minha frente. Eu vou matar ela e ninguém vai me impedir!
- Essa não é a questão, ou é?
- O que?
- Por mais que você queria matá-la eu já o impedi de fazê-lo.
- Eu atiro em você! Você pensa que só porque você está na frente dela eu não vou atirar em você?
- Mas essa também não é a questão, ou é?
- Para com isso seu desgraçado. Eu vou estourar sua cabeça.
- Ah! Finalmente chegamos à questão do impasse. Você realmente vai atirar em mim, a questão é: você vai atirar nela?
- Eu já disse que eu vou matar ela.
- E eu já ouvi. Agora olhe a sua volta. Quantos seguranças têm aqui? E tem também aqueles dois PM's atrás de você. - Os olhos do garoto percorriam toda a sua volta ao ouvir - Você acha realmente que você vai conseguir atirar nela?
O silêncio mais uma vez os atingiu, nem mesmo a garota às costas de Daniel chorava, os olhos perplexos das pessoas à volta encaravam os dois sem se mexer.
- Agora que eu tenho a sua atenção - Daniel voltou a falar - vamos as nossas opções. Quantos anos você tem?
- O que?
- Quantos anos você tem?
- 15.
- E ela?
- 13.
- Muito bem. São ambos menores de idade. Você, que quer tanto matá-la, tem duas opções básicas. Primeira, atirar em mim e ser morto ou capturado por esses competentes homens da lei sem com isso realmente atirar nela. Assim você passará os próximos três ou seis anos numa instituição para menores. Segunda, entregar a arma para mim e ser preso por porte ilegal de armas e como você é menor de idade muito provavelmente vai ficar por isso mesmo. Em nenhum dos casos, portanto, você irá conseguir disparar contra ela. O que vai ser?
Todos olhavam em suspensão, o garoto anônimo parecia considerar a proposta mas sem com isso abaixar a arma ou dar nenhuma indicação de que tinha desistido de sua idéia inicial. Daniel deu um passo a frente e estendeu sua mão direita levemente.
- Para trás.
- Eu não vou tentar nada. Eu posso parecer mas não sou estúpido. Tome logo uma decisão. Entregue a arma ou atire em mim. Anda! Eu não tenho o dia inteiro. Vou ver um filme daqui a pouco.
Os seguranças e os policias se movimentaram, falar desse jeito não era uma boa idéia. Quando o policial mais próximo estava prestes a interferir a arma estava nas mãos de Daniel.
Imediatamente quatro seguranças pularam sobre o garoto derrubando-o no chão e um dos policiais o algemou.
O corredor já respirava aliviado quando o inesperado ocorreu. A estupefação os atingiu. Ninguém podia entender o que estava acontecendo. Ninguém podia acreditar.
Dois tiros foram ouvidos e todos viram quando Daniel virou a arma para própria cabeça. Seu rosto desfigurado caiu sobre o corpo inerte da pobre garota.

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