sexta-feira, junho 09, 2006

Terra do Nunca

Terra do Nunca


É impressionante. Absolutamente impressionante a terrível e abominável capacidade infantil de liberar quantidades absurdas de endorfina no cérebro com facilidade incrível.
E o que é ainda mais impressionante é como nós perdemos essa capacidade de maneira tão rápida e fácil com o passar de tão poucos anos.
Pergunte a si mesmo qual foi a última vez que você teve um dia completa e simplesmente feliz, apenas um dia?
Pergunte isso a uma criança e a resposta vai ser “ontem na escola e depois brincando com meus amigos na rua” ou “sábado, na piscina”. E o que é pior, essa capacidade pode se estender por um período maior de tempo, da mesma maneira que você consegue as respostas acima você também encontra coisas que incluam um fim-de-semana ou toda as férias escolares.
Acessos incontroláveis de riso eram freqüentes, momentos de absoluta bobeira, conversas irracionais e sem sentido, brigas sobre quem era o cavaleiro do zodíaco mais forte, discussões intermináveis para saber se os peitos da paulinha do fim da rua estavam ou não começando a crescer.
Antes isso podia se estender por um ou dois meses e agora o melhor que se pode conseguir são algumas horas, quando muito, e sempre acompanhado de subterfúgios.
Talvez seja por isso que as drogas fazem um sucesso absurdo, apenas uma tentativa suicida de se conseguir de volta algo que já se perdeu. Não é preciso nem ir tão longe, aquelas poucas horas acima mencionadas são quase sempre acompanhadas de um copo de bebida alcoólica, não necessariamente numa quantidade exagerada, mas mesmo assim.
Eu posso até ser considerado uma espécie de aberração por conservar parte dessa capacidade, de ainda ter em mim um pouquinho dessa dádiva.
Mas parece que nem assim consigo escapar das garras do tempo, isso vai ficando cada vez mais difícil, esses momentos vão ficando menores e escassos.
É claro, entretanto, que essa capacidade não é de toda perdida, ela está somente adormecida, esperando a hora certa de voltar ou, como normalmente acontece, a hora errada.
Só há uma maneira de voltar a ser criança, uma maneira de estender essa capacidade por um período indeterminado de tempo, uma maneira de ser feliz, essencialmente feliz.
O amor parece ainda ser a única coisa que funcione, a única que nos dá uma chance de voltar no tempo, uma chance de realmente viver.
As pessoas passam uma vida inteira correndo atrás desse sentimento, quando percebem que Peter Pan afinal não é tão impossível ou fantástico, mas que pode sim ser encontrado em qualquer lugar.
Mas como eu disse sou uma aberração, não sou de maneira alguma perecida com qualquer outra pessoa. Quando eu finalmente encontro quem me traria o pouco que me faltava ao invés de retornar ao sublime estado inicial eu fui simplesmente jogado ao estado geral, minha terra do nunca me foi negada.
Comerciais de margarina e cartão de credito pregam essa vida imaginária com um toque de utopia. “Porque a vida é agora” contanto que você faça isso com nosso cartão, como se não precisássemos paga-los depois. Hollywood prega a mesma coisa, exceto que nesse caso você não precisa necessariamente de dinheiro, “curta a vida adoidado”, liberte-se, faça todo dia algo que você nunca fez antes.
Eu não quero um acesso incontrolável de riso, eu só quero ser capaz de sorrir de novo. Eu já não busco felicidade completa e incondicional, eu só quero paz, curtir a vida sem ser adoidado, me prender a algo, ter uma rotina que me de prazer não tédio, mas uma rotina.
Ser criança é maravilhoso, mas uma hora se tem que crescer mesmo que depois se passe eternamente a viver em busca da terra do nunca. Eu posso ter perdido a minha, mas ainda não desisti.

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